quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Manual tamaresco

Eu que não sei falar, ando muito a dizer. Digo não com a boca, dentes ou língua. Mas com os meus sorrisos.



sábado, 4 de setembro de 2010

Um bocado de profundezas obscuras tem vida
Um bocado de vida tem profundezas obscuras


Meu corpo num sono profundo em que a circulação e a respiração parecem estar suspensas. Mergulhado no infinito breu da zona abissal. De águas negras e gélidas. Um brilho inédito e assombroso deixa os meus olhos em esbugalho. Movo-me madrugalmente para tomar aquela claridade, como quem quer vestir-se de luz. E, então, emerge uma voz:

— O brilho do diabo-marinho atrai a presa. Com o estômago elástico e a boca grande voltada para cima consegue aproveitar ao máximo o alimento...

Desencadeei uma série de movimentos excitados (temia ser devorada) até ficar altamente sublevada. Cingindo com os braços as águas, agora, tropicais, criei estrelas trazendo a noite. Não, não. Não é a noite adentrando. É a sombra colossal do maior de todos: o tubarão-baleia. Que comovente espetáculo!

— Eles são vegetarianos, né, papai.
— É... – contrariado prosseguiu o guia –, alimentam-se principalmente de plâncton, embora também comam regularmente cardumes de pequenos peixes e lulas...

Nadamos nós, lado a lado. Compartilhando doçura. Brincando de engolir a eternidade. Quase podia ver um sorriso nele, daqueles que esboçamos ao trazerem chocolate e frutas secas. Mas logo o pacífico tubarão gigante com pintas branquinhas se perdeu no azul acinzentado do oceano. Oceano que sugere vaidade, adornado com seres marinhos que se transformam em motivos ornamentais. Medusas fosforescentes bailam geniosas com seus órgãos luminosos. Dragões-do-mar de asas cintilantes voam a desenhar algas. Empinados peixes-borboletas colorem num único rastro de tinta delicada a zona do sol. Sol derramado, jardim suspenso, pássaro que observa a paisagem e pressente o fundo do mar. Pássaro eu, pássaro mulher.




[só um sonho bastante singular que tive]