sábado, 15 de julho de 2006

Pense em algo que tenha lhe causado muita dor.












Se existisse uma pílula que apagasse esse episódio na sua vida, você a tomaria?











Eu NÃO. Porque, talvez, apagaria o que eu sou hoje.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

O inferno urbano


Bombardearam um ônibus que estava estacionado no ponto final. O ponto final fica numa rua atrás da minha residência. O tanque de combustível explodiu. Fogo e combustível se alastraram. Neste momento, a polícia ordenou que os responsáveis retirassem seus carros da proximidade e gritavam para os curiosos evacuarem a área. E minha mãe, num ponto um pouco mais distante, me ligando de um telefone público {porque esqueceu o celular em casa} para avisar do ocorrido e para orientar: "Tá, tranque tudo e não saia na rua".
Pois é, a guerra civil aconteceu na esquina dos olhos da minha mãe e de tantas outras pessoas. A realidade da tevê chegou em nossas casas. Agora, ela está ali, trêmula, pendurando as roupas no varal como deveria ser...

PA-RA-BÉNS, Cláudio Lembo! Você alimenta esta guerra e ainda "cria" {explicitamente!} a guerra partidária.
KATANGA, KIVU DO NORTE...
... outras partes do RDC.

Tecidos encardidos. Força imposta. Mulheres estupradas. Terra, poeira. Malária, coqueluche. Homens pendurados como carnes num açougue. Sangue derramado e infectado pelo vírus da AIDS. Crianças com pólio. Violência negra contra negros. Caminhonetes. Fugas. Brutalidade. Bandanas sujas e armas quentes. Ausência do Espírito Santo. Moscas. Explosões. Febre. Choro de bebê. Mãos atadas em pele viva. Soldados congoleses. Tendas e pouca amoxicilina. Fumaça. Terror. Desespero. Medo. Gritos. Cheiro de morte. Desesperança. Ódio. Fogo. Vingança e falta de petróleo. Impunidade. Ataques Mai mai. Paz declarada? Sarampo. Casas saqueadas. Desnutrição. Pavor. Raiva. Catástrofe humanitária. Serrote. Ferida aberta. Esparadrapo. Ratos. Lamparinas. Democracia? Fraqueza. Lágrima. Impiedade.

O INFERNO EXISTE, BASTA OLHAR AO REDOR!

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Em vão


Ela enviou a carta cheia de palavras amargas e desconfiadas, seu coração ficou aliviado. Enquanto escrevia, pensava, relia e não entendia o motivo. Mas tratou de ajeitar tudo e, talvez, tenha conseguido não transparecer o nervosismo.

Ele recebeu a carta e respondeu absolutamente nada.

Ela, ansiosa, quando o reencontrou tratou de esclarecer a carta. Queria ouvir dele que estava louca e que suas acusações eram falsas.

Ele preferiu não conversar.

Os dois permaneceram abraçados e calados, na estrada. Já dentro do ônibus a caminho da casa dela:

Ela ainda desconfiada.

Ele ainda sem expressão.

Alguns meses depois, na casa dela novamente:

Ela pergunta aonde é que ele vai.

Ele diz que vai sair e volta logo, pois precisa de um tempo sozinho.

Ela se remoe por dentro, acreditando que ele mudou o modo de tratá-la por causa da carta.

Ele sai e não se despede.

Ela corre e faz um mimo nele.

Ele parti sem rumo após retribuir o afeto.

Naquela mesma noite:

Ela deita-se.

Ele a abraça e a pede em casamento.

Ela sorri e diz que sim.

Em um vai-e-vém eles fazem seus planos. Botam tudo em ordem.

Ela, todos os dias pensava no tão sonhado dia do casamento.

Ele? Continuava o mesmo: romântico, carinhoso, atencioso e com menos grana nos bolsos.

Dois anos se passaram e o dia deles, afinal, chegara:

Ela está linda em seu vestido branco e longo.

Ele está inquieto, batendo o pé esquerdo no altar.

Ela entra, a música escolhida toca, todos os olhares são seus.

Ele se encanta e tem a certeza que passará o resto de seus dias com uma grande mulher.

Ela tinha o sorriso mais contagiante e seus pais estavam orgulhosos.

Faltando um passo para chegar no altar e receber o beijo do seu amado... todos se viram para trás por causa do barulho que vinha da porta de entrada. Era Ella, que escondia uma redonda barriga, soltava fogos pela boca e ao mesmo tempo dizia que espera um filho dele.

Ele sua frio e rapidamente cai no chão.

Ela se recorda novamente da carta e de suas desconfianças.

sábado, 1 de julho de 2006

Somos o que não se vê


Desde 2001 que recebo convites para participar de uma reunião de um programa especial. Abri o último e cheguei no local na hora marcada no papel. Disseram-me que cuidaria de um senhor bem idoso e que passaria apenas uma hora por dia com ele.

Fazia parte do tratamento o fato do sr. Marvin não poder me ver nem falar comigo. A primeira vez foi complicada, eu não sabia o que fazer direito e não conseguia entender a necessidade de ficar atrás de uma câmara, observando-o. Eu sentava na cadeira, registrava as reações dele e sessenta minutos depois voltava para casa.

Certo dia, já cansada desta rotina levei um punhado de envelope, folhas de sulfite e caneta. Comecei a escrever e tive a idéia de entregar algo para o senhor de quem olhava, não de quem cuidava (certas modernidades me deixam confusa!). Passei o envelope por debaixo da porta e ele abriu a cartinha:
— O senhor sabe que está sendo observado? – ele acenou confirmando que sim.

Como já havia passado mais do que a metade do tempo de permanência permitido no local, juntei tudo e fui-me embora. Afinal, eu havia perdido um bocado de tempo perguntando para os especialistas se estava autorizado enviar o tal bilhetinho para o sr. Marvin.

No dia seguinte, fiquei sentada, olhando para o senhorzinho, com os olhos inchados por acordar cedo. De repente, ele começou a balançar os braços e não parava de gesticular. Eu não entendia nada e, rapidamente, apanhei a minha pasta vermelha transparente e passei o envelope por debaixo da porta. Desta vez, uma caneta foi junto. No papel devolvido estava assim escrito:
— Sua letra está diferente. Sua letra é bonita, mas hoje está diferente.

Então respondi:
— Agradecida*. Está diferente porque escrevi muito rápido e minha letra muda de acordo com o meu estado emocional. Tudo muda, não é mesmo?

A partir deste dia, passávamos 1 hora conversando através de bilhetinhos. Ora, conversávamos sobre como nos sentíamos no dia. Ora, sobre literatura. Ora, ele esclarecia minhas dúvidas sobre o xadrez. Ora, sobre a evolução do tratamento dele. Dias, que ele só elogiava a minha letra. Ah! Isso era realmente engraçado, porque ele analisava letrinha por letrinha e sabia exatamente como eu me sentia naquele dia, tudo isso sem nunca ter me visto. Enfim, conversávamos sobre o que, geralmente, não temos tempo de conversar com pessoas clinicamente livres do nosso dia-a-dia. Tudo o que fazíamos não passava de pros(e)a(r).

Então, num dia em que ele parecia um pouco preocupado, ele resolveu perguntar a minha idade, eu respondi sem nenhum problema. Nós continuamos a conversar dentro do limite estabelecido, como sempre. E no final deste mesmo dia, o médico-chefe me ligou cancelando o programa e agradecendo pela participação.
— Tá?! Eu não gosto de acordar cedo mesmo – sacudindo os ombros e resmungando outras coisas a mais em pensamento.

Uma semana se passou e lá estava eu, acordando todos os dias mais cedo, enfrentando a câmara fria e escrevendo os bilhetinhos. Simplesmente, porque o sr. Marvin não foi com a “cara” da outra voluntária.

* Não digo “obrigada” porque não sou obrigada a nada.
A m an hec eu
o di a,
re s pi ro
fér i as!!!!!