domingo, 14 de agosto de 2011

Rubor da vitalidade



O bronze se limpa com ácido,
o rio se limpa por força do seu próprio fluxo,
e uma mulher é purificada com a menstruação.
CHANAKYA.



Éramos quatro mulheres sentadas na praça de alimentação do Shopping Ibirapuera, depois de uma tarde linda regada a jazz, a conversar num certo momento sobre algo que ainda é tabu: a menstruação.

E resolvi escrever o meu ponto de vista que construí ao longo de minhas vivências e pesquisas (que ainda está no comecinho). Já adianto que nem sempre pensei assim. Afinal, a menarca foi um verdadeiro horror para a menina de doze anos que acreditava que não se tornaria mulher apenas com a força da vontade em não querer se tornar.




Encaro o período menstrual como as minhas estações pessoais. Celebrando a mudança das estações com dança, música e encanto. Honrando as estações com autoaceitação e entendimento, em vez de rejeição. Semeando, irrigando, colhendo e prosperando para semear outra vez.

É sabido que todas as mudanças de estação nos deixam mais suscetíveis a enfermidades. São momentos de transformações de uma estação em outra, de uma fase em outra. Sempre que nosso entorno muda, seja interior ou exterior, nosso organismo deve mudar, se adaptando às novas características vigentes. Por isso, é importante reverenciar o que está acontecendo dentro de nós e contribuir para que esta passagem aconteça da melhor forma.

Na primeira fase do ciclo menstrual predomina o hormônio feminino estrogênio. Chamada de fase folicular, o organismo estimula uma produção exclusiva de folículos (pequenas bolinhas de líquido) nos ovários, onde ocorrerá a ovulação. É o momento que o corpo oferta ao útero os melhores nutrientes de que dispõe a fim de prepará-lo para uma possível gravidez.

Após a ovulação ocorre o predomínio do hormônio progesterona. É a fase secretória (gosto de assim chamá-la, porque lembra o verbo secretor que vem do latim secretus), que vai até a menstruação. É uma estação que nos lança para fora, na busca por atrair o parceiro e reproduzir; nesta fase, sentimo-nos sensual e no pico da sexualidade.

Durante a menstruação, o organismo trabalha intensamente para o transporte do sangue para o exterior do corpo feminino. É a fase que a mulher se torna mais introspectiva, voltada para dentro. É um descanso e recolhimento para acumular sabedoria. Para os nativos americanos, uma mulher menstruando tem o potencial de ser mais poderosa do que qualquer mulher ou qualquer homem, em qualquer momento.

Todos os meses, corpo e mente femininos têm a oportunidade de se purificar com a menstruação. Para que possam gerar filhos saudáveis, as mulheres realizam esta limpeza natural periódica. Mas isso não significa que a Natureza espera que todos os meses engravidemos, e sim, eliminemos toxinas. Sim, segundo a medicina ancestral Ayurveda, o período menstrual e seu processo são muito importantes para a mulher, porque purifica o corpo, recolhendo os detritos e as toxinas que se acumularam ao longo do mês, expelindo-os juntamente com o sangue menstrual.

É como uma oportunidade que a mulher tem de se colocar em contato com seus fluxos, sua criatividade, seus movimentos. Um estado de criatividade que só as mulheres possuem! Com total liberdade para utilizar esta capacidade criativa como melhor lhe convenha: para si mesma ou para os outros, para produzir ou para reparar, para criar ou para procriar.

Estes são esforços da Natureza a fim de ajudar e também sanar o que não se deve deixar de lado. Pois, poderão gerar bloqueios que se manifestam com transtornos do fluxo menstrual. A menstruação mobiliza os resíduos e toxinas do sangue, mas o resultado deste evento dependerá de como ocorra o alinhamento entre a mulher e seus fluxos.

Se passarmos o mês de forma descuidada e desconectada antes de menstruar, quando ela ocorre, o corpo terá que trabalhar arduamente para remover todas as toxinas acumuladas, advindas de uma má alimentação, altas doses de tensão e estresse, conflitos emocionais e diversas outras sobrecargas e estilo de vida inadequado, para promover uma vida harmoniosa e saudável.

O período que a mulher menstrua é um processo de revisão. De voltar o olhar atento para o mês que foi vivido e perceber se conseguiu vivê-lo de forma a manter-se íntegra para com sua verdade, ritmo e ecologia interior.

O organismo para executar sua fertilidade deve ser comparado a um campo a ser semeado. Devemos pensar na estação do ano, no próprio campo, na semente e no cultivo. O corpo é a estação do ano. O campo, os órgãos reprodutores. A semente, o óvulo. E o cultivo engloba diversos aspectos: o sangue, os hormônios e outras secreções, ou seja, tudo que nutre o óvulo e fertiliza o campo.

Uma infinidade de sintomas atribuídos à TPM são na verdade desequilíbrios do organismo como um todo, exacerbados no período menstrual. Se a menstruação assim aparece de forma dolorosa, com distúrbios nos fluxos antes ou durante, é melhor recolher-se para observar e repensar novas mudanças e uma nova forma de viver melhor e mais saudável. O corpo é uma pista que nos leva a compreender o que estamos fazendo em níveis não-físicos. O desequilíbrio menstrual aponta a necessidade de honrar a vida, de realizar ajustes.

Logo, o momento de se cuidar é antes da menstruação efetivamente acontecer. Nós temos toda força e poder para transformar absolutamente tudo o que quisermos, através de dedos de intuição (e não de suportes externos artificiais temporários). Se o corpo pedir, diminua, sim!, o ritmo e entre em contato consigo mesma para tornar-se uma mulher mais completa em sua própria natureza. E aconteça o que acontecer, respire, respire profundamente e mantenha o bom humor!

Como disse certa vez Mahatma Gandhi: “Temos de nos tornar na mudança que queremos ver”, “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”. Nós mulheres precisamos criar uma atitude mais positiva e de reverência a este sangue que deixa nosso corpo e nos purifica. Este sangue vermelho vibrante, cor da vida, da emoção dinâmica, da excitação, de eros e do desejo.

Acolhamos as estações pessoais de forma a encarar cada mudança como um processo de transformação e de muito poder que vem das entranhas. Sangrar mensalmente é sagrado. Exatamente porque é uma oportunidade de que o velho (mês que passou) morra, para que um renascimento ocorra (após ciclo). Um momento de se permitir renovar e consequentemente permitir que a energia feminina faça seu trabalho em nós. Tornando-nos mulheres mais sábias e conectadas com nossos próprios ritmos internos.

E não poderia deixar de dizer que o corpo da mulher é sagrado com todos os fluxos e humores nele contido. É um organismo fascinante. Portanto, cuidem-se. Cuidem-no. Amem-se!



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Dica da Tamis:

Gosto de chamar essa brincadeira de Atentividade, que consiste em voltar toda a atenção da mente a observar a si mesma em todas as situações (pensando, sentindo, transando, andando, comendo). Lembre-se: ob-ser-var. Aumentando cada vez mais essa prática, você desenvolverá um delicioso “eu testemunha”.













Pintura de Rassouli

5 comentários:

Janete Cardoso disse...

Nossa, muito legal. Nunca atinei pra importância desse período. Fiquei até orgulhosa :D

Tamara Queiroz disse...

Também não, Jan. Mas já tem algum tempo que ajustei meus olhares para esse período tão mágico e importante.

B-jinho

disse...

Então Tamara! Nunca pensei que esse assunto fosse um tabu. Pelo contrário, acho que de todos os assuntos sobre sexualidade, este talvez seja externado de forma mais tranquila em função das cólicas, pedidos de absorventes quando se esquece da bolsa e por aí vai.

Gostei muito quando você disse reproduziu a frase: “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”. É um ponto de vista que leio constantemente em frases espíritas, nas quais, dizem que não podemos fazer um novo começo, mas um novo fim. Acho que as ideologias espirituais se convergem em alguns pontos em prol do bem estar do ser humano!

Precisamos nos elevar mais, deixarmos de nos preocupar tanto com questões que nos são tão naturais, humanas e femininas.

Aguardo as próximas partes da sua tese!

Anônimo disse...

Adorei a postagem! Não consegui parar de ler! Parabéns!

Bjs
Ana Carolina

Tamara Queiroz disse...

Agradecida, Ana, b-jinhos!